Samuel Hanan*
A campanha dos dois candidatos a presidente da República dedica a acusações recíprocas parte significativa do tempo da propaganda eleitoral gratuita veiculada no rádio e na televisão nesse segundo turno. De um lado e de outro sobram imputações sobre corrupção, petrolão, eletrolão, mensalão, rachadinhas, orçamento secreto e outros escândalos que há anos ocupam espaço na mídia. Outra boa parte do tempo é reservada a esforços para mostrar a generosidade e compaixão dos candidatos com os menos favorecidos. Programas, ideias e compromissos ficam em segundo plano, o que se repete também nos debates. A duas semanas das eleições, apenas, os candidatos continuam ignorando que o interesse maior dos mais de 156 milhões de eleitores é sobre o programa de governo. Os brasileiros, com todo o direito, querem saber o que será feito nos próximos quatro anos para melhorar a sua vida. A História nos deixou um grande exemplo: Juscelino Kubitschek, que governou o Brasil de 1956 a 1961 com base em um Plano de Metas, composto de 30 itens, dos quais 82% foram cumpridos. Obviamente, o eleitor tem interesse no comportamento ético e moral de cada candidato, em como eles enxergam e pratica a religião, como se comportaram no passado e como atuam no presente. Entretanto, a preocupação maior está no programa de metas de quem se propõe a governar o país, inclusive no combate à avassaladora corrupção, à redução dos privilégios, à diminuição das desigualdades sociais e regionais. Saturado de ataques pessoais – tão comuns em tantas eleições -, o brasileiro deseja mesmo é saber o que fará o candidato, uma vez eleito, quando fará e como fará. O cidadão quer conhecer quanto custará ao governo tirar do papel cada promessa. De onde virão os recursos? Pagaremos mais impostos? O país se endividará mais? São perguntas que permanecem sem respostas. Algumas delas sequer são formuladas aos candidatos, como se não fossem absolutamente necessárias ao futuro do Brasil. As raras propostas apresentadas – entre um ataque e outro ao adversário – mostram-se superficiais, genéricas, sem demonstração clara de viabilidade técnica e econômica, sem apontamento de seus custos e das fontes de recursos para sua implementação. Se nos debates fosse acionado um polígrafo sonoro para apitar a cada mentira contada, nenhum candidato se atreveria a falar os absurdos que enganam os eleitores. Na educação, por exemplo, não se tem um proposta bem definida – de nenhum lado – sobre questões absolutamente prioritárias: implantação de escola em tempo integral no ensino fundamental e no ensino médio, atualização das grades curriculares para atender aos novos ramos do conhecimento, às modernas demandas do mercado e às inovações tecnológicas, a universalização do ensino técnico e profissionalizante, a revolução do ensino da matemática, o domínio sobre a língua portuguesa e o idioma inglês, e a remuneração digna dos professores, em todos os níveis. Qualquer cidadão que assiste ao Horário Eleitoral Gratuito ressente-se do compromisso dos candidatos sobre aumentar a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) - cujo valor se evidenciou na pandemia – e sobre a atualização da remuneração dos serviços, hoje com tabela aviltada, comprometendo os equipamentos de saúde que compõem a rede. Não se viu, igualmente, qualquer compromisso sério na questão do saneamento básico, com comprometimento de metas para universalização de água tratada e para o esgotamento sanitário, questões que impactam diretamente na qualidade de vida e na saúde pública. Sobre habitação, a população sem-teto ou que paga aluguel ainda não conseguiu saber quantas unidades habitacionais um ou outro candidato se propõe a construir por ano até o final do mandato. Ninguém se comprometeu, por exemplo, a edificar moradias com pelo menos 40m² e dotadas de sistema de captação de energia fotovoltaica, que reduz a conta de luz das famílias. Somente essa economia contribuiria com mais da metade do valor da prestação mensal. Isso sim seria um auxílio permanente, nos moldes do Bolsa Família ou do atual Auxílio Brasil, com grande impacto social. Quando o assunto é segurança pública, nenhum compromisso se viu sobre aprimorar o controle dos mais de 10 mil km de fronteiras, portos e aeroportos, com aumento expressivo dos contingentes da Polícia Federal e das Forças Armadas para sufocar o contrabando de armas e drogas que alimentam as organizações criminosas, fomentam o vício e a destruição de famílias, e aliciam os jovens para o mundo do crime. Da mesma forma, não há proposta concreta para a revisão do Código Penal, ultrapassado, visando ao endurecimento de penas relativas às ações criminosas envolvendo menores, corrupção, estupro e outros crimes hediondos. É inconcebível que numa campanha presidencial a necessidade de se fazer uma reforma tributária tenha sido tratada, até agora, tão superficialmente. Nada se falou em reduzir drasticamente tributos sobre o consumo, e se necessário, aumentar os tributos sobre a renda e o capital; ninguém se dispôs a atacar efetivamente essa que é a maior fábrica de pobreza do País, fonte permanente de concentração de renda. Os candidatos parecem ignorar que o caminho está na redução drástica da tributação sobre gêneros alimentícios, produtos de higiene pessoal, limpeza doméstica, vestuário básico, medicamento, combustíveis do transporte coletivo e de carga, e gás de cozinha, de forma a torná-los mais acessíveis à população mais pobre e, no caso dos combustíveis, baratear o custo final dos produtos de primeira necessidade, principalmente. O que a população gostaria de ouvir dos candidatos é a priorização da geração de emprego, com melhor distribuição de renda caminhando junto, como bom indicador de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Há também outras medidas de caráter urgente com as quais os candidatos deveriam se comprometer, entre elas alterações legislativas para a redução drástica do foro privilegiado, para tornar imprescritíveis os crimes cometidos contra a administração pública, para permitir a prisão após condenação em segunda instância, e para proibir que réus (assim definidos por colegiado de segunda instância) disputem cargos eletivos. Infelizmente, nada disso é tema da campanha, assim como quase nada se fale sobre propostas para cultura e esportes, embora ambos os candidatos tenham maior tempo de rádio e TV nesse segundo turno. É de se lamentar ainda que esse silêncio se estenda também sobre a reforma política, necessária para reduzir o número absurdo de partidos políticos, para acabar com a reeleição em cargos do Executivo e para reduzir drasticamente ou eliminar o Fundo Eleitoral, verdadeiro feudo e fonte de poder para os grandes partidos e seus líderes, contrassenso num país que clama por menos privilégios e mais transparência. Há muitos assuntos essenciais à Nação cujos compromissos os dois candidatos deveriam explicitar ao povo brasileiro em vez de perderem tempo com ataques mútuos que nada acrescentam à democracia. O debate de ideias, propostas e programas de governo seria, sem dúvida, muito mais salutar ao País. Daria ao eleitor muito mais elementos para ele definir conscientemente seu voto e mais instrumentos para ele cobrar o eleito, no futuro. Talvez os candidatos tenham medo justamente disso.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário